Domingo

0

As últimas gotas do mel caíram sobre o pão. Ela passou o dedo na boca da garrafa tentando resgatar um pouco da doçura que ainda subsistia ali. Lambeu o dedo lambuzado e uma gota que havia caído na blusa, última lágrima de ouro. Comeu calmamente, como sentindo em cada movimento da mastigação a secura do pão e a suavidade do mel que, juntas, formavam uma combinação que ela julgava perfeita.
Eu, sentado a sua frente, admirava a garrafa donde o mel fora retirado. Era uma garrafa grande, o que me fazia pensar que o mel que um dia ali estivera levara muito tempo para ser consumido. Ela confirmou que sim, quatro anos. E onde a senhora comprou? Ele me deu.
Ele... ele tinha tocado naquele vidro. Tive um impulso de colocar minhas mãos naquela garrafa para sentir um pouco do que ele foi, para estar no mesmo lugar onde ele esteve... mas me contive e continuei apenas olhando.
Ele ia extinguindo-se aos poucos... as roupas doadas, a mobília trocada, a rotina renovada, as lembranças embaralhadas... as poucas coisas que tinham sobrado começavam também a se esgotar... o mel, os frascos de perfume...
Levantei e peguei uma cerveja na geladeira, as marcas dos produtos também tinham sido trocadas...
Abri a lata e enquanto sorvia aquele líquido lembrei-me do dia que perguntei a ele se gostava daquela marca pelo gosto ou pelo preço... no começo era pelo preço, mas depois a gente se acostuma..... a gente se acostuma a tudo... concordei com a cabeça, naquele tempo ainda não tinha me deparado com a ferrugem da saudade.