É preciso saber viver

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Naquele tempo a vida era áspera e atribulada, mesmo assim, vez ou outra, ela punha-se a dançar inconsequentemente pelas festas ou pela casa.
Colocava o velho rádio em cima do fogão e ficava à procura de uma estação que estivesse tocando músicas do rei. Quando não encontrava, calçava seu chinelo amarelado e ia até a esquina usar o telefone público pra pedir: “toca Roberto!”.
Voltava e a cozinha transformava-se em seu salão. Os pés faziam um vai e vem confuso e o quadril ensaiava um rebolado, enquanto os braços erguidos acompanhavam o movimento da cabeça que guardava um sorriso de recordações e a paz do esquecimento nos olhos fechados.
Nas festas, depois de fazer o que dela se esperava, pegava um copo de bebida qualquer, bebia-o sem saber o porquê e ia para o centro da roda.
O mesmo vai e vem confuso dos pés, o mesmo rebolado mal acabado no quadril, os braços erguidos, o movimento da cabeça, mas um sorriso que se voltava para o presente e os olhos abertos para a realidade daquele momento.
Hoje a vida é amena e tolerável, as coisas não são boas nem ruins. Ela não ouve mais rádio, não dança mais e passa ilesa a qualquer música do rei.
Naquele tempo, viver era a única opção.