Poemar

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“Onde está a poesia?”, inocentemente, alguém perguntou.
“A poesia está nas palavras”, brincou O Menino.
“A poesia está nos fatos”, afirmou O Poeta.
“A poesia está no ser”, retrucou O Filósofo.
“Não. A poesia está nas coisas!”, bradou um crítico.
Eu, se tivesse voz, sussurraria:
A poesia não precisa de refúgio, meus caros.
Ela, simplesmente, está.

Poemas de um sábado descartável com Francisco Alvim

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0. Podia Ser Pior.
Ou não.
Estudos
Desconhecidos
Apontam:
Jovens
Adultos
Com plobremas
Sociais e
Diccionais
Possuem um futuro
Singular.

1. Sente Saudade?
Eu não,
(as torneiras silenciosamente
fechadas,
os quadros racionalmente
alinhados,
as louças claramente
limpas,
os tapetes perfeitamente
estendidos)
a casa
Sente.

2. Quer Companhia?
O Vazio ocupou
E S P A Ç O.

3. Eu Posso Explicar.
Explique-se,
mas seja explicativa.

4. Quer Sair?
Nas ruas
a incerteza
te espreita
passo
a
passo.
Um homem pigarreia palavras de amor esquecidas.
Não.

5. Você Não Liga?
Ligo.
Ninguém atende.

6. Afazeres.
Perdão, a disposição funciona somente em horário comercial.

7. A Porta.
Da geladeira
Abre e
Fecha
Abre e
Fecha
Abre e
Fecha
Abre
até que eu queira o que não tem.

8. Com Que Roupa Eu Vou?
Qualquer
uma
que sirva.

9. Mercado.
Deseja mais alguma coisa, Senhora?
Um abraço, por favor.

10. O Ministério Da Saúde Adverte:
Este produto contém substâncias tóxicas que levam à falência.

11. TV.
Antes só do que mal acompanhado.

12. Chat.
E aeeeee, gata?!?!?!
Quer tcccc?!?!?!
rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs
...
...
...
Queria.

13. Fim.
A Noite e o poema
não têm.

Roupa Seca

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Pela janela do meu quarto, eu a vejo.
Um ou dois dias por semana, sempre pela manhã, enquanto eu entorno amargamente meu café, saboreio um cigarro e reluto em entregar-me a vida, ela, no quintal de sua casa, estende as roupas recém-lavadas.
Mudei para o terceiro andar deste prédio há mais ou menos três anos e já na primeira semana no novo apartamento, enquanto olhava a vista da minha janela, pude admirá-la fazendo esse metódico trabalho.
Tira a roupa do balde, chacoalha, sobe no banquinho, estende, tira a roupa do balde, chacoalha, sobe no banquinho, estende, tira a roupa do balde, chacoalha, sobe no banquinho, estende, tira a roupa do balde, chacoalha, sobe no banquinho, estende, tira a roupa do balde, chacoalha, sobe no banquinho, estende... ... ... ... ... quando fico cansado desse serviço, vou para meus afazeres diários e deixo a mulher lavadeira com suas tarefas domésticas.
Observei-a por um bom tempo até que numa festa aqui do bairro pude vê-la de perto e confirmar a imagem (trazida pelas roupas estendidas no varal) que eu fazia de sua família: pai, filho e mãe. A mulher devia ter entre trinta e cinco e quarenta anos e, naquela ocasião, mostrava uma expressão forte e séria. Pude perceber que o marido era mais velho que ela, mas ainda conservava traços de beleza, já o menino, com mais ou menos oito anos, me pareceu um pouco franzino comparado ao porte do pai e da mãe.
Antes daquela festa meu prazer era observá-la e imaginar como ela e sua família seriam, inventar situações cotidianas que eles poderiam viver, modos de agir, enfim, idealizar suas vidas. Depois daquele dia não pude mais seguir com esses pensamentos, a família havia se tornado real, minha imaginação não era mais necessária.
Mesmo assim continuei a observá-la, talvez por hábito, talvez porque vê-la entregue a suas obrigações dava-me mais coragem para seguir com as minhas, não sei ao certo.
Há uns seis meses, quando eu chegava do trabalho, notei um grande alvoroço na rua. Indaguei a um homem que estava por ali o que tinha acontecido e ele me disse que um bêbado atropelara com seu carro e imprudência um morador do bairro. Ele sabia quem era? Não, não sabia.
Após esse incidente fiquei um tempo sem ver a mulher lavadeira e passei a olhar através da janela à tarde também, na esperança de que ela tivesse mudado o horário de lavar as roupas, mas foi em vão.
Até que um dia, pela manhã, ela apareceu novamente. Senti-me satisfeito e aliviado pois, assim, a vida pôde voltar a sua rotina, eu no meu quarto, ela no seu quintal. Houve, porém, uma mudança: seu trabalho diminuiu, já não estende mais as roupas do filho.

Acalento

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Ana, venha cá, venha! Deixa eu te ninar..... assim.... te pegar no colo, ter você aqui, pertinho de mim, assim pertinho, pertinho..... depois te deito na cama e te vejo dormir..... tão linda você era, Ana................. tinha os cabelos enroladinhos, bem enroladinhos......... tão lindos! Por que você não deixa seus cabelos enrolados, minha filha? São tão lindos........ Vem, Ana, que eu arrumo pra você.... abra aquela gaveta ali e pegue uma fita vermelha.... vai ficar lindo, Ana! Depois vamos no parque! Coloca aquele seu vestidinho florido..... não, Ana, esse não! Aquele que tem um rasguinho na barra... ninguém nem percebe.... Vamos! Você pode brincar no balanço, na gangorra, no gira-gira e se você se comportar, depois vamos na sua vó................ Nossa, Ana, quanto tempo não visitamos sua vó!!.................................. quanto tempo mesmo? Ah, sim.... agora lembrei...... desde que ela morreu........... coitadinha....... deve sentir nossa falta...... vamos, Ana, vamos! Não! Não! Não! Não! Espera, Ana! Espera! Seu irmão, cadê? Cadê, seu irmão, Ana? Pedro! Pedro! Pedro! Cadê o Pedrinho, Ana? Cadê? Vocês se foram e me deixaram aqui, sozinha...... são uns ingratos! Me sugaram enquanto precisavam e depois, quando já estavam prontos, voaram pra longe! Tudo bem... eu entendo... um filho precisa seguir seu destino, encontrar seu caminho, fazer sua vida.... mas tudo o que uma mãe espera é que às vezes ele retorne com uma migalha de amor pra lhe oferecer..... migalhas, Ana! Migalhas! E nem isso vocês me deram! São uns ingratos! Ingratos! Suma daqui, Ana! Suma daqui! Vai, Ana! Vai! Vai ver se Pedro já chegou do trabalho................................ meu filho................. tão bom moço........ tão lindo....... morrer assim..... Pedro não merecia... não merecia... meu Deus, tivesse levado eu! Eu! Não, Pedro! Pedrinho, minha joia..... meu amado...... educado, inteligente, trabalhador.... por que, Pedro, meu Deus, por quê? O único que puxou pra mim....... você e José são iguais ao seu pai, Ana! São todos iguais! Todos!............... Por que eles crescem, meu Deus? Ficassem pequenos e eu tinha todos aqui, protegidos, acalentados.................... Ana, termine logo esse almoço antes que Pedro e seu pai voltem do serviço! José não vem, fugiu de casa! Outro dia estava na TV com uns policiais..... seu irmão é policial, Ana? ............ Deve ser bandido.... igual seu pai.......... mas a diretora ligou, Zezinho brigou na escola de novo, vou lá ver o que aconteceu e pego ele! Pedrinho aqui com febre e Zé brigando.......... e cadê seu pai pra me ajudar? Deve estar no bar.... no bar, Ana! No bar! Vai chamar seu pai, Ana! Vai! No bar! No Bar, Ana! ...................................................Não! Não! Não! Não! Espera, Ana! Espera! Venha cá, venha! Deixa eu te ninar..... assim.... te pegar no colo, ter você aqui, pertinho de mim, assim pertinho, pertinho.... pertinho... pertinho.. pertinho.


Veredito

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Na sala, a espera era longa. Uma mesa no centro guardava algumas revistas.... anúncios, atrizes, novelas.... nada que maquilasse o tempo. Um vaso de flores artificiais também repousava ali. As paredes aparentavam idade avançada e uma TV, sem som, reproduzia algumas imagens.
O ambiente estava sufocado de pessoas. Tinham uma aparência cansada e pensativa, as faces desfloridas e os ombros curvados.
Um homem batia os pés no chão acompanhando o compasso de uma música inexistente, uma criança chorava, alguém fazia cliks com uma caneta, um ou outro bocejava, o ventilador dava uns estalidos e a porta do banheiro batia por conta do vento. Tudo isso formava uma orquestra infernal e foi com alívio que ele ouviu a secretária chamar seu nome.
Entrou na sala onde a revelação vestida de branco o esperava. Os quadros de paisagens que adornavam as paredes e o jardim de inverno que havia ao fundo transmitiam uma fria paz.
O médico falava-lhe sobre uma doença incurável frente a qual a medicina podia apenas manipular o tempo, acrescentando-lhe mais alguns meses ao calendário. O doutor apresentava uma expressão triste e séria que tinha a convicção que a regularidade do uso lhe dera.
Após ouvir toda a explicação sobre o que fizera de seu corpo um alojamento e que retribuía a hospitalidade com a morte, se encaminhou para a porta e antes de sair ouviu o médico aconselhá-lo a aproveitar o tempo que ainda lhe restava visitando a família, por exemplo.
Saiu à rua, viu uma lanchonete que ficava em frente ao consultório e caminhou para lá. Havia poucas pessoas ali, o sol ardia e o calor fazia suar, mas mesmo assim pediu um café. Enquanto olhava os carros que passavam e o mormaço que saia do asfalto, sorveu o primeiro gole pensando como aproveitaria seu tempo se não tinha uma família para visitar.

Apetite

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Já não suporto o fardo da rotina,
a falsa paz do mundo às avessas,
assistir sempre a mesma comédia
e só amar as belezas efêmeras.

Já não suporto o sabor das palavras,
os olhos cansados da mesma vista,
fixar num mesmo chão minhas pegadas
e não ouvir a voz daquilo que atrofia.

Desejo a incoerência do existir
sem tempo, a paz de poder estar vazio
e a liberdade de não ter pra onde ir.

Desejo, afinal, um doce alívio
e se algo ainda possa me afligir,
que a vida viva seja meu cilício.

Soneto a ser encaminhado ao departamento competente

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Man Writing - Oliver Ray

     A ideia já se foi há muito tempo.
     O que há agora são frases perplexas
     e vãs, discutindo e teorizando
     sobre a incapacidade do poeta.

     Olham-no de sujeito a predicado,
     apedrejam-no com pontos finais,
     e tudo com o direto objetivo
     de crucificá-lo cada vez mais.

     E o poeta que chegou a pensar
     numa obra de sutil significado,
     vê-se, subitamente, encurralado

     por essas insensatas em negrito.
     E então, depois de muito matutar
     compõe um soneto para reclamar.