Pela
janela do meu quarto, eu a vejo.
Um
ou dois dias por semana, sempre pela manhã, enquanto eu entorno amargamente meu
café, saboreio um cigarro e reluto em entregar-me a vida, ela, no quintal de
sua casa, estende as roupas recém-lavadas.
Mudei
para o terceiro andar deste prédio há mais ou menos três anos e já na primeira
semana no novo apartamento, enquanto olhava a vista da minha janela, pude
admirá-la fazendo esse metódico trabalho.
Tira
a roupa do balde, chacoalha, sobe no banquinho, estende, tira a roupa do balde,
chacoalha, sobe no banquinho, estende, tira a roupa do balde, chacoalha, sobe
no banquinho, estende, tira a roupa do balde, chacoalha, sobe no banquinho,
estende, tira a roupa do balde, chacoalha, sobe no banquinho, estende... ...
... ... ... quando fico cansado desse serviço, vou para meus afazeres diários e
deixo a mulher lavadeira com suas tarefas domésticas.
Observei-a
por um bom tempo até que numa festa aqui do bairro pude vê-la de perto e confirmar
a imagem (trazida pelas roupas estendidas no varal) que eu fazia de sua
família: pai, filho e mãe. A mulher devia ter entre trinta e cinco e quarenta
anos e, naquela ocasião, mostrava uma expressão forte e séria. Pude perceber
que o marido era mais velho que ela, mas ainda conservava traços de beleza, já o
menino, com mais ou menos oito anos, me pareceu um pouco franzino comparado ao
porte do pai e da mãe.
Antes
daquela festa meu prazer era observá-la e imaginar como ela e sua família
seriam, inventar situações cotidianas que eles poderiam viver, modos de agir,
enfim, idealizar suas vidas. Depois daquele dia não pude mais seguir com esses pensamentos, a família havia se tornado real, minha imaginação não era mais necessária.
Mesmo
assim continuei a observá-la, talvez por hábito, talvez porque vê-la entregue a
suas obrigações dava-me mais coragem para seguir com as minhas, não sei ao
certo.
Há
uns seis meses, quando eu chegava do trabalho, notei um grande alvoroço na rua.
Indaguei a um homem que estava por ali o que tinha acontecido e ele me disse
que um bêbado atropelara com seu carro e imprudência um morador do bairro.
Ele sabia quem era? Não, não sabia.
Após
esse incidente fiquei um tempo sem ver a mulher lavadeira e passei a olhar
através da janela à tarde também, na esperança de que ela tivesse mudado o
horário de lavar as roupas, mas foi em vão.
Até
que um dia, pela manhã, ela apareceu novamente. Senti-me satisfeito e aliviado pois, assim, a vida pôde voltar a
sua rotina, eu no meu quarto, ela no seu quintal. Houve, porém, uma
mudança: seu trabalho diminuiu, já não estende mais as roupas do filho.
2 opiniões:
que dor no coração...isso é literatura...
Essa história daria um filme.
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